Quarta-feira, 13 de Julho de 2005

Crónicas de um Rei sem trono.

Capítulo I

 

Das provações, o caminho mais longo é sempre aquele que leva mais tempo a percorrer, muitas vezes é o mais curto.

 

Começava o dia a clarear, bem no alto junto ao cume, um raio de sol trespassava a neve que teimosamente ainda se mantinha debaixo do calor estival.

As árvores frondosas da alameda, sussurrantes e plácidas, argumentavam com o barulho da cascata que se ouvia intermitente. O caminho, de terra batida, ainda húmida dos últimos invernos, enxameava-se de verde rasteiro, pontilhado aqui ou ali por pequenas flores que teimosamente desabrochavam.

O trote do burro, ressoava oco e pesado, abafado pelos sons dos poucos pássaros que já começavam a constituir a sua prole.

O homem que seguia o burro, acicatava-o de vez em quando pelo espanejar de uma pequena vara apanhada sem escolha à beira do caminho. O suor que lhe escorria das têmporas indicava que se encontrava à muito a percorrer aquele trilho. De vez em quando por cima do ombro, mandava uma remirada rápida, para trás, aproveitava para azougar o burro novamente, como se fosse seguido por almas de outro mundo.

Lá ao longe retiniam sinos de alarme, trazidos no meio de um turbilhão que adivinhavam desgraças. O nosso homem, tez retesada pelo medo, alargava o passo e obrigava o animal que o procedia a fazer o mesmo.

Desembocaram numa clareira larga, onde o caminho se entrecortava com outros três, no meio, uma velha cruz celta de madeira, entalhada a ferro, cheia de símbolos rúnicos de protecção aos viajantes, encimava um montículo, mesmo no meio do cruzamento. Junto à cruz um vulto baixo e atarracado, vestes escuras e esfarrapadas, um capuz mal posto que descobria uns cabelos negros e brilhantes.

Um cinto largo de pele curtida e dura, enxameado de pequenos anéis brilhantes, serviam de aconchego a uma adaga larga e de lâmina dupla. Quando o homem do burro se aproximou, o vulto levantou-se sem pressas, mais alto, agora que o nosso homem do burro, que refreou o passo e aumentou o semblante ríspido.

O acenar do estrangeiro, e o sorriso que lhe elevou no rosto, acalmou a tensão, os bons dias dados em gaélico pelo estrangeiro e gesto universal de paz, descansaram finalmente o dono do burro que respondeu mais cordial.

- Bom dia estrangeiro…

- Bom dia bom homem, desculpa se te assustei…

- Nestes tempos de escuridão, somos desconfiados. Nestas estradas acontecem coisas terríveis. Eu apenas transporto mantimentos para a minha pobre aldeia…

- Bem sei, mais uma vez as minhas sinceras desculpas, mas fiquei sem montada -apontou em direcção a poente – o meu cavalo foi abatido por covardes…

Sem pressas, mostrou a sela arrancada ao animal, e bem cravada no couro ainda uma flecha, escura e rematadas com penas de corvo.

O calar dos pássaros e o esgar de horror que se entranhava no seu rosto foi apenas cortado pelo som abafado de cascos que se ouviam, nem tiveram tempo para apresentações.

Rapidamente, sem lhe dar tempo para se recompor, o cavaleiro, agarrou na sela, empurrou o bufarinheiro sem cerimónias, puxou o burro pela arreata para fora do caminho.

Aproveitou uns arbustos que ladeavam a clareira para se esconder juntamente com os seus actuais companheiros. Apenas se preocupou com o burro, tapo-lhe os olhos com um bocado da sua capa e com a outra mão as narinas do quadrúpede, não queria que ele começasse a emitir sons ao sentir o cheiro de alguns primos. O dono do burro, inerte, quase imóvel, dificilmente se manifestaria.

Esperaram pouco tempo e por entre uma fresta dos arbustos, viu seis cavaleiros, de cotas brilhantes e espadas embainhadas, a desembocar na clareira. Não traziam estandartes, os cavalos, foram espicaçados sem cerimónia e como se já de antemão soubessem as suas direcções, dividiram-se em três grupos de dois e sairam à desfilada, pelos outros caminhos da bifurcação.

Quando já não se ouviam os sons dos cascos, o bufarinheiro, mais senhor de si, comentou:

- Pareciam que vinham com uma missão. Pouco vi, mas pareciam cavaleiros de Lord Almerdamm. Cavaleiro…

A ponta de interrogação, e o tom cerimonioso do bufarinheiro, trouxeram à realidade a falta de apresentações, tão abruptamente interrompidas:

- O meu nome é McClaymore, e o teu, bom homem?

- Bufarinheiro Clarence, ao seu serviço Senhor. O vosso nome é estranho por estas paragens, lamento a vossa montada. Quereis colocar a vossa sela em cima do meu pobre “Pedro”? Ou o vosso caminho é diferente do meu?

- Não Clarence, vou aproveitar a tua nobre oferta e acompanhar-te à tua aldeia. Espero que por lá haja algum cavalo disponível?

- Não sei Senhor. Antes de partir há duas semanas, havia alguns. Tereis que perguntar ao forjador, ele é que normalmente tem alguns, que troca ou vende, conforme a s necessidades. Também precisais de outra arma, essa adaga é pouca coisa para enfrentar alguns perigos destas estradas.

O gesto brusco do cavaleiro e o seu semblante pesado, enquanto acariciava o cabo da arma, assustou mais uma vez Clarence. O cavaleiro, apercebeu-se, deixou cair uma ponta da andrajosa capa sobre a adaga e murmurou num tom ameaçador:

- Sim esta já tem dono…

E numa voz mais clara, retorquiu:

- Tens toda a razão, bem preciso de uma. Mas preocupemo-nos agora em chegar à tua aldeia. O sol já passou o cume da montanha, espero que não fique longe.

- Ainda é longe, se apressarmos o passo e se o “Pedro” não se importar de levar mais a vossa sela, quando o sol já não estiver tão alto, deveremos estar a chegar. Faremos apenas uma pequena pausa para comermos, se não vos importardes de partilhar a minha pobre refeição?

- Obrigado bom homem, o meu bornal ficou pelo caminho – e num rasgado sorriso, acrescentou – também já não tinha muita coisa por onde escolher.

Aproveitando a deixa o bufarinheiro, depois de verificar se a sela estava bem acondicionada, retomou o caminho, o burro à frente, ele atrás, o cavaleiro a um passo.

- Julgo que ainda não me disseste porque ficaste tão aterrorizado com a flecha da minha sela, Clarence?

Enquanto admoestava o passo do burro, e alargava o seu, como se pressentisse perigo, o bufarinheiro respondeu, num tom mais baixo que o habitual:

- É uma história longa Senhor, e algumas partes nem eu sei se são verdadeiras…

- O caminho é longo, vamos ter tempo de a ouvir.

- Como quiserdes. Eu vou tentar ser claro. E se por acaso ficardes confuso, tentarei explicar as partes que não compreenderes.

publicado por McClaymore às 12:39
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De Anónimo a 13 de Julho de 2005
Não comento, não confirmo e não desminto !
Um abraço [[ ]]Binoc
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